Todas as crianças são
bem-vindas à escola
Maria Teresa Eglér Mantoan
Universidade Estadual
de Campinas / Unicamp
Laboratório de
Estudos e Pesquisas em Ensino e Reabilitação de Pessoas com Deficiência -
LEPED/ FE/ Unicamp
A inclusão é uma inovação, cujo sentido tem sido muito
distorcido e um movimento muito polemizado pelos mais diferentes segmentos
educacionais e sociais. No entanto, inserir alunos com déficits de toda ordem,
permanentes ou temporários, mais graves ou menos severos no ensino regular nada
mais é do que garantir o direito de todos à educação - e assim diz a
Constituição !
Inovar não tem necessariamente o sentido do inusitado. As
grandes inovações estão, muitas vezes na concretização do óbvio, do simples, do
que é possível fazer, mas que precisa ser desvelado, para que possa ser
compreendido por todos e aceito sem outras resistências, senão aquelas que dão
brilho e vigor ao debate das novidades.
O objetivo de nossa participação neste evento é clarear o
sentido da inclusão, como inovação, tornando-o compreensível, aos que se
interessam pela educação como um direito de todos, que precisa ser respeitado.
Pretendemos, também demonstrar a viabilidade da inclusão pela transformação
geral das escolas, visando a atender aos princípios deste novo paradigma
educacional.
Para descrever o nosso caminho na direção das escolas
inclusivas vamos focalizar nossas experiências, no cenário educacional
brasileiro sob três ângulos : o dos desafios provocados por essa inovação, o
das ações no sentido de efetivá-la nas turmas escolares, incluindo o trabalho
de formação de professores e, finalmente o das perspectivas que se abrem à
educação escolar, a partir de sua implementação.
UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS
O princípio democrático da educação para todos só se
evidencia nos sistemas educacionais que se especializam em todos os alunos, não
apenas em alguns deles, os alunos com deficiência. A inclusão, como
consequência de um ensino de qualidade para todos os alunos provoca e exige da
escola brasileira novos posicionamentos e é um motivo a mais para que o ensino
se modernize e para que os professores aperfeiçoem as suas práticas. É uma
inovação que implica num esforço de atualização e reestruturação das condições
atuais da maioria de nossas escolas de nível básico.
O motivo que sustenta a luta pela inclusão como uma nova
perspectiva para as pessoas com deficiência é, sem dúvida, a qualidade de
ensino nas escolas públicas e privadas, de modo que se tornem aptas para
responder às necessidades de cada um de seus alunos, de acordo com suas especificidades,
sem cair nas teias da educação especial e suas modalidades de exclusão.
O sucesso da inclusão de alunos com deficiência na escola
regular decorre, portanto, das possibilidades de se conseguir progressos
significativos desses alunos na escolaridade, por meio da adequação das
práticas pedagógicas à diversidade dos aprendizes. E só se consegue atingir
esse sucesso, quando a escola regular assume que as dificuldades de alguns
alunos não são apenas deles, mas resultam em grande parte do modo como o ensino
é ministrado, a aprendizagem é concebida e avaliada. Pois não apenas as
deficientes são excluídas, mas também as que são pobres, as que não vão às
aulas porque trabalham, as que pertencem a grupos discriminados, as que de
tanto repetir desistiram de estudar.
OS DESAFIOS
Toda criança precisa da escola para aprender e não para
marcar passo ou ser segregada em classes especiais e atendimentos à parte. A
trajetória escolar não pode ser comparada a um rio perigoso e ameaçador, em
cujas águas os alunos podem afundar. Mas há sistemas organizacionais de ensino
que tornam esse percurso muito difícil de ser vencido, uma verdadeira
competição entre a correnteza do rio e a força dos que querem se manter no seu
curso principal.
Um desses sistemas, que muito apropriadamente se denomina
"de cascata", prevê a exclusão de algumas crianças, que têm déficits
temporários ou permanentes e em função dos quais apresentam dificuldades para
aprender. Esse sistema contrapõe-se à melhoria do ensino nas escolas, pois
mantém ativo, o ensino especial, que atende aos alunos que caíram na cascata,
por não conseguirem corresponder às exigências e expectativas da escola
regular. Para se evitar a queda na cascata, na maioria das vezes sem volta, é
preciso remar contra a correnteza, ou seja, enfrentar os desafios da inclusão :
o ensino de baixa qualidade e o subsistema de ensino especial, desvinculadae
justaposto ao regular.
Priorizar a qualidade do ensino regular é, pois, um desafio
que precisa ser assumido por todos os educadores. É um compromisso inadiável
das escolas, pois a educação básica é um dos fatores do desenvolvimento
econômico e social. Trata-se de uma tarefa possível de ser realizada, mas é
impossível de se efetivar por meio dos modelos tradicionais de organização do sistema
escolar.
Se hoje já podemos contar com uma Lei Educacional que propõe
e viabiliza novas alternativas para melhoria do ensino nas escolas, estas ainda
estão longe, na maioria dos casos, de se tornarem inclusivas, isto é, abertas a
todos os alunos, indistinta e incondicionalmente. O que existe em geral são
projetos de inclusão parcial, que não estão associados a mudanças de base nas
escolas e que continuam a atender aos alunos com deficiência em espaços
escolares semi ou totalmente segregados (classes especiais, salas de recurso,
turmas de aceleração, escolas especiais, os serviços de itinerância).
As escolas que não estão atendendo alunos com deficiência em
suas turmas regulares se justificam, na maioria das vezes pelo despreparo dos
seus professores para esse fim. Existem também as que não acreditam nos
benefícios que esses alunos poderão tirar da nova situação, especialmente os
casos mais graves, pois não teriam condições de acompanhar os avanços dos
demais colegas e seriam ainda mais marginalizados e discriminados do que nas
classes e escolas especiais.
Em ambas as circunstâncias, o que fica evidenciado é a
necessidade de se redefinir e de se colocar em ação novas alternativas e
práticas pedagógicas, que favoreçam a todos os alunos, o que, implica na
atualização e desenvolvimento de conceitos e em aplicações educacionais
compatíveis com esse grande desafio.
Muda então a escola ou mudam os alunos, para se ajustarem às
suas velhas exigências ? Ensino especializado em todas as crianças ou ensino
especial para deficientes? Professores que se aperfeiçoam para exercer suas
funções, atendendo às peculiaridades de todos os alunos, ou professores
especializados para ensinar aos que não aprendem e aos que não sabem ensinar?
AS AÇÕES
Visando os aspectos organizacionais
Ao nosso ver é preciso mudar a escola e mais precisamente o
ensino nelas ministrado. A escola aberta para todos é a grande meta e, ao mesmo
tempo, o grande problema da educação na virada do século.
Mudar a escola é enfrentar uma tarefa que exige trabalho em
muitas frentes. Destacaremos as que consideramos primordiais, para que se possa
transformar a escola , em direção de um ensino de qualidade e, em consequência,
inclusivo.
Temos de agir urgentemente:
•colocando a aprendizagem como o eixo das escolas, porque
escola foi feita para fazer com que todos os alunos aprendam;
•garantindo tempo para que todos possam aprender e
reprovando a repetência;
•abrindo espaço para que a cooperação, o diálogo, a
solidariedade, a criatividade e o espírito crítico sejam exercitados nas
escolas, por professores, administradores, funcionários e alunos, pois são
habilidades mínimas para o exercício da verdadeira cidadania;
•estimulando, formando continuamente e valorizando o
professor que é o responsável pela tarefa fundamental da escola - a
aprendizagem dos alunos;
•elaborando planos de cargos e aumentando salários,
realizando concursos públicos de ingresso, acesso e remoção de professores.
Que ações implementar para que a escola mude ?
Para melhorar as condições pelas quais o ensino é ministrado
nas escolas, visando, universalizar o acesso, ou seja, a inclusão de todos,
incondicionalmente, nas turmas escolares e democratizar a educação, sugerimos o
que, felizmente, já está ocorrendo em muitas redes de ensino, verdadeiras
vitrines que expõem o sucesso da inclusão.
A primeira sugestão para que se caminhe para uma educação de
qualidade é estimular as escolas para que elaborem com autonomia e de forma
participativa o seu Projeto Político Pedagógico, diagnosticando a demanda, ou
seja, verificando quantos são os alunos, onde estão e porque alguns estão fora
da escola.
Sem que a escola conheça os seus alunos e os que estão à
margem dela, não será possível elaborar um currículo escolar que reflita o meio
social e cultural em que se insere. A integração entre as áreas do conhecimento
e a concepção transversal das novas propostas de organização curricular
consideram as disciplinas acadêmicas como meios e não fins em si mesmas e
partem do respeito à realidade do aluno, de suas experiências de vida
cotidiana, para chegar à sistematização do saber.
Como essa experiência varia entre os alunos, mesmo sendo
membros de uma mesma comunidade, a implantação dos ciclos de formação é uma
solução justa, embora ainda muito incompreendida pelos professores e pais, por
ser uma novidade e por estar sendo ainda pouco difundida e aplicada pelas redes
de ensino. De fato, se dermos mais tempo para que os alunos aprendam,
eliminando a seriação, a reprovação, nas passagens de um ano para outro,
estaremos adequando o processo de aprendizagem ao ritmo e condições de
desenvolvimento dos aprendizes - um dos princípios das escolas de qualidade
para todos.
Por outro lado, a inclusão não implica em que se desenvolva
um ensino individualizado para os alunos que apresentam déficits intelectuais,
problemas de aprendizagem e outros, relacionados ao desempenho escolar. Na
visão inclusiva, não se segregam os atendimentos, seja dentro ou fora das salas
de aula e, portanto, nenhum aluno é encaminhado à salas de reforço ou aprende,
a partir de currículos adaptados. O professor não predetermina a extensão e a
profundidade dos conteúdos a serem construídos pelos alunos, nem facilita as
atividades para alguns, porque, de antemão já prevê q dificuldade que possam
encontrar para realizá-las. Porque é o aluno que se adapta ao novo conhecimento
e só ele é capaz de regular o seu processo de construção intelectual.
A avaliação constitui um outro entrave à implementação da
inclusão. É urgente suprimir o caráter classificatório da avaliação escolar,
através de notas, provas, pela visão diagnóstica desse processo que deverá ser
contínuo e qualitativo, visando depurar o ensino e torná-lo cada vez mais
adequado e eficiente à aprendizagem de todos os alunos. Essa medida já
diminuiria substancialmente o número de alunos que são indevidamente avaliados
e categorizados como deficientes, nas escolas regulares.
A aprendizagem como o centro das atividades escolares e o
sucesso dos alunos, como a meta da escola, independentemente do nível de
desempenho a que cada um seja capaz de chegar são condições de base para que se
caminha na direção de escolas acolhedoras. O sentido desse acolhimento não é o
da aceitação passiva das possibilidades de cada um, mas o de serem receptivas a
todas as crianças, pois as escolas existem, para formar as novas gerações, e
não apenas alguns de seus futuros membros, os mais privilegiados.
A inclusão não prevê a utilização de métodos e técnicas de
ensino específicas para esta ou aquela deficiência. Os alunos aprendem até o
limite em que conseguem chegar, se o ensino for de qualidade, isto é, se o
professor considera o nível de possibilidades de desenvolvimento de cada um e
explora essas possibilidades, por meio de atividades abertas, nas quais cada
aluno se enquadra por si mesmo, na medida de seus interesses e necessidades,
seja para construir uma idéia, ou resolver um problema, realizar uma tarefa.
Eis aí um grande desafio a ser enfrentado pelas escolas regulares tradicionais,
cujo paradigma é condutista, e baseado na transmissão dos conhecimentos.
O trabalho coletivo e diversificado nas turmas e na escola
como um todo é compatível com a vocação da escola de formar as gerações. É nos
bancos escolares que aprendemos a viver entre os nossos pares, a dividir as
responsabilidades, repartir as tarefas. O exercício dessas ações desenvolve a
cooperação, o sentido de se trabalhar e produzir em grupo, o reconhecimento da
diversidade dos talentos humanos e a valorização do trabalho de cada pessoa
para a consecução de metas comuns de um mesmo grupo.
O tutoramento nas salas de aula tem sido uma solução
natural, que pode ajudar muito os alunos, desenvolvendo neles o hábito de
compartilhar o saber. O apoio ao colega com dificuldade é uma atitude
extremamente útil e humana e que tem sido muito pouco desenvolvida nas escolas,
sempre tão competitivas e despreocupadas com a a construção de valores e de
atitudes morais.
Além dessas sugestões, referentes ao ensino nas escolas, a
educação de qualidade para todos e a inclusão implicam em mudanças de outras
condições relativas à administração e aos papéis desempenhados pelos membros da
organização escolar.
Nesse sentido é primordial que sejam revistos os papéis
desempenhados pelos diretores e coordenadores, no sentido de que ultrapassem o
teor controlador, fiscalizador e burocrático de suas funções pelo trabalho de
apoio, orientação do professor e de toda a comunidade escolar.
A descentralização da gestão administrativa, por sua vez,
promove uma maior autonomia pedagógica, administrativa e financeira de recursos
materiais e humanos das escolas, por meio dos conselhos, colegiados,
assembléias de pais e de alunos. Mudam-se os rumos da administração escolar e
com isso o aspecto pedagógico das funções do diretor e dos coordenadores e
supervisores emerge. Deixam de existir os motivos pelos quais que esses
profissionais ficam confinados aos gabinetes, às questões burocráticas, sem tempo
para conhecer e participar do que acontece nas salas de aula.
Visando a formação continuada dos professores
Sabemos que, no geral, os professores são bastante
resistentes às inovações educacionais, como a inclusão. A tendência é se
refugiarem no impossível, considerando que a proposta de uma educação para
todos é válida, porém utópica, impossível de ser concretizada com muitos alunos
e nas circunstâncias em que se trabalha, hoje, nas escolas, principalmente nas
redes públicas de ensino.
A maioria dos professores têm uma visão funcional do ensino
e tudo o que ameaça romper o esquema de trabalho prático que aprenderam a
aplicar em suas salas de aula é rejeitado. Também reconhecemos que as inovações
educacionais abalam a identidade profissional, e o lugar conquistado pelos
professores em uma dada estrutura ou sistema de ensino, atentando contra a
experiência, os conhecimentos e o esforço que fizeram para adquiri-los.
Os professores, como qualquer ser humano, tendem a adaptar
uma situação nova às anteriores. E o que é habitual, no caso dos cursos de
formação inicial e na educação continuada, é a separação entre teoria e
prática. Essa visão dicotômica do ensino dificulta a nossa atuação, como
formadores. Os professores reagem inicialmente à nossa metodologia, porque
estão habituados a aprender de maneira incompleta, fragmentada e essencialmente
instrucional. Eles esperam aprender uma prática inclusiva, ou melhor, uma
formação que lhes permita aplicar esquemas de trabalho pré-definidos às suas
salas de aulas, garantindo-lhes a solução dos problemas que presumem encontrar
nas escolas inclusivas.
Em uma palavra, os professores acreditam que a formação em
serviço lhes assegurará o preparo de que necessitam para se especializarem em
todos os alunos, mas concebem essa formação como sendo mais um curso de
extensão, de especialização com uma terminalidade e com um certificado que lhes
convalida a capacidade de efetivar a inclusão escolar. Eles introjetaram o
papel de praticantes e esperam que os formadores lhes ensinem o que é preciso
fazer, para trabalhar com níveis diferentes de desempenho escolar,
transmitindo-lhes os novos conhecimentos, conduzindo-lhes da mesma maneira como
geralmente trabalham com seus próprios alunos. Acreditam que os conhecimentos
que lhes faltam para ensinar as crianças com deficiência ou dificuldade de
aprender por outras incontáveis causas referem-se primordialmente à
conceituação, etiologia, prognósticos das deficiências e que precisam conhecer
e saber aplicar métodos e técnicas específicas para a aprendizagem escolar
desses alunos. Os dirigentes das redes de ensino e das escolas particulares
também pretendem o mesmo, num primeiro momento, em que solicitam a nossa
colaboração.
Se de um lado é preciso continuar investindo maciçamente na
direção da formação de profissionais qualificados, não se pode descuidar da
realização dessa formação e estar atento ao modo pelo qual os professores
aprendem para se profissionalizar e para aperfeiçoar seus conhecimentos
pedagógicos, assim como reagem às novidades, aos novos possíveis educacionais.
A metodologia
Diante dessas circunstâncias e para que possamos atingir
nossos propósitos de formar professores para uma escola de qualidade para
todos, idealizamos um projeto de formação que tem sido adotado por redes de
ensino públicas e escolas particulares brasileiras, desde 1991.
Nossa proposta de formação se baseia em princípios
educacionais construtivistas, pois reconhecemos que a cooperação, a autonomia
intelectual e social, a aprendizagem ativa e a cooperação são condições que
propiciam o desenvolvimento global de todos os alunos, assim como a capacitação
e o aprimoramento profissional dos professores.
Nesse contexto, o professor é uma referência para o aluno e
não apenas um mero instrutor, pois enfatizamos a importância de seu papel tanto
na construção do conhecimento, como na formação de atitudes e valores do futuro
cidadão. Assim sendo, a formação continuada vai além dos aspectos instrumentais
de ensino.
A metodologia que adotamos reconhece que o professor, assim
como o seu aluno, não aprendem no vazio. Assim sendo, partimos do "saber
fazer" desses profissionais, que já possuem conhecimentos, experiências,
crenças, esquemas de trabalho, ao entrar em contato com a inclusão ou qualquer
outra inovação.
Em nossos projetos de aprimoramento e atualização do professor
consideramos fundamental o exercício constante de reflexão e o compartilhamento
de idéias, sentimentos, ações entre os professores, diretores, coordenadores da
escola. Interessam-nos as experiências concretas, os problemas reais, as
situações do dia-a-dia que desequilibram o trabalho, nas salas de aula. Eles
são a matéria-prima das mudanças. O questionamento da própria prática, as
comparações, a análise das circunstâncias e dos fatos que provocam perturbações
e/ou respondem pelo sucesso vão definindo, pouco a pouco, aos professores as
suas "teorias pedagógicas". Pretendemos que os professores sejam
capazes de explicar o que outrora só sabiam reproduzir, a partir do que
aprendiam em cursos, oficinas, palestras, exclusivamente. Incentivamos os
professores para que interajam com seus colegas com regularidade, estudem
juntos, com e sem o nosso apoio técnico e que estejam abertos para colaborar
com seus pares, na busca dos caminhos pedagógicos da inclusão.
O fato de os professores fundamentarem suas práticas e
argumentos pedagógicos no senso comum dificulta a explicitação dos problemas de
aprendizagem. Essa dificuldade pode mudar o rumo da trajetória escolar de
alunos que muitas vezes são encaminhados indevidamente para as modalidades do
ensino especial e outras opções segregativas de atendimento educacional.
Daí a necessidade de se formarem grupos de estudos nas
escolas, para a discussão e a compreensão dos problemas educacionais, à luz do
conhecimento científico e interdisciplinarmente, se possível. Os grupos são
organizados espontaneamente pelos próprios professores, no horário em que estão
nas escolas e são acompanhados, inicialmente, pela equipe da rede de ensino,
encarregada da coordenação das ações de formação. As reuniões têm como ponto de
partida, as necessidades e interesse comuns de alguns professores de esclarecer
situações e de aperfeiçoar o modo como trabalham nas salas de aula. O foco dos
estudos está na resolução dos problemas de aprendizagem, o que remete à análise
de como o ensino está sendo ministrado, pois o processo de construção do
conhecimento é interativo e os seus dois lados devem ser analisados, quando se
quer esclarecê-lo.
Participam dos grupos, além dos professores, o diretor da
escola, coordenadores, mas há grupos que se formam entre membros de diversas
escolas, que estejam voltados para um mesmo tema de estudo, como por exemplo a
indisciplina, a sexualidade, a ética e a violência, a avaliação e outros
assuntos pertinentes.
A equipe responsável pela coordenação da formação é constituída
por professores, coordenadores, que são da própria rede de ensino, e por
parceiros de outras Secretarias afins: Saúde, Esportes, Cultura. Nós
trabalhamos diretamente com esses profissionais, mas também participamos do
trabalho nas escolas, acompanhando-as esporadicamente, quando somos solicitados
- minha equipe de alunos e eu.
Os Centros de Desenvolvimento do Professor
Algumas redes de ensino criaram o que chamamos de Centros de
Desenvolvimento do Professor, os quais representam um avanço nessa nova direção
de formação continuada, que estamos propondo, pois sediam a maioria das ações
de aprimoramento da rede, promovendo eventos de pequeno, médio e grande porte,
como workshops, seminários, entrevistas, com especialistas, fóruns e outras
atividades. Sejam atendendo individualmente, como em pequenos e grandes grupos
os professores, pais, comunidade. Os referidos Centros também se dedicam ao
encaminhamento e atendimento de alunos que necessitam de tratamento clínico, em
áreas que não sejam a escolar, propriamente dita.
Temos estimulado em todas as redes em que atuamos a criação
dos centros, pois ao nosso ver, eles resumem o que pretendemos, quando nos
referimos à formação continuada - um local em que o professor e toda comunidade
escolar vem para realimentar o conhecimento pedagógico, além de servir
igualmente aos alunos e a todos os interessados pela educação, no município.
Ao nosso ver, os cursos e demais atividades de formação em
serviço, habitualmente oferecidos aos professores não estão obtendo o retorno
que o investimento propõe. Temos insistido na criação desses Centros, porque a
existência de seus serviços redireciona o que já é usual nas redes de ensino,
ou seja, o apoio ao professor, pelos itinerantes. Não concordamos com esse
suporte a alunos e professores com dificuldades, porque "apagam
incêndio", agem sobre os sintomas, oferecem soluções particularizadas,
locais, mas não vão à fundo no problema e suas causas. Os serviços itinerantes
de apoio não solicitam o professor, no sentido de que se mobilize, de que
reveja sua prática. Sua existência não obriga o professor a assumir a
responsabilidade pela aprendizagem de todos os alunos, pois já existe um
especialista para atender aos caso mais difíceis, que são os que justamente
fazem o professor evoluir, na maneira de proceder com a turma toda. Porque se
um aluno não vai bem, seja ele uma pessoa com ou sem deficiência, o problema
precisa ser analisado não apenas com relação às reações dessa ou de outra
criança, mas ao grupo como um todo, ao ensino que está sendo ministrado, para
que os alunos possam aprender, naquele grupo.
A itinerância não faz evoluir as práticas, o conhecimento
pedagógico dos professores. Ë, na nossa opinião, mais uma modalidade da
educação especial que acomoda o professor do ensino regular, tirando-lhe a
oportunidade de crescer, de sentir a necessidade de buscar soluções e não
aguardar que alguém de fora venha, regularmente, para resolver seus problemas.
Esse serviço igualmente reforça a idéia de que os problemas de aprendizagem são
sempre do aluno e que ó o especialista poderá se incumbir de removê-los, com
adequação e eficiência.
O tipo de formação que estamos implementando para tornar
possível a inclusão implica no estabelecimento de parcerias entre professores,
alunos, escolas, profissionais de outras áreas afins, Universidades, para que
possa se manter ativa e capaz de fazer frente às inúmeras solicitações que essa
modalidade de trabalho provoca nos interessados. Por outro lado, essas
parcerias ensejam o desenvolvimento de outras ações, entre as quais a
investigação educacional e em outros ramos do conhecimento. São nessas redes e
a partir dessa formação que estamos pesquisando e orientando trabalhos de
nossos alunos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação / Unicamp e
onde estamos observando os efeitos desse trabalho, nas redes.
Não dispensamos os cursos, oficinas e outros eventos de
atualização e de aperfeiçoamento, quando estes são reinvindicados pelo
professor e nesse sentido a parceria com outros grupos de pesquisa da Unicamp e
colegas de outras Universidades têm sido muito eficiente. Mas há cursos que
oferecemos aos professores, que são ministrados por seus colegas da própria
rede, quando estes se dispõe a oferecê-los ou são convidados por nós, ao
conhecermos o valor de sua contribuição para os demais.
As escolas e professores com os quais estamos trabalhando já
apresentam sintomas pelos quais podemos perceber que estão evoluindo dia -a-
dia para uma Educação de qualidade para Todos. Esses sintomas podem ser
resumidos no que segue:
•reconhecimento e valorização da diversidade, como elemento
enriquecedor do processo de ensino e aprendizagem;
•professores conscientes do modo como atuam, para promover a
aprendizagem de todos os alunos;
•cooperação entre os implicados no processo educativo -
dentro e fora da escola;
•valorização do processo sobre o produto da aprendizagem;
•enfoques curriculares, metodológicos e estratégias
pedagógicas que possibilita, a construção coletiva do conhecimento.
É preciso, contudo, considerar que a avaliação dos efeitos
de nossos projetos não se centram no aproveitamento de alguns alunos, os
deficientes, nas classes regulares. Embora estes casos sejam objeto de nossa
atenção, queremos acima de tudo saber se os professores evoluíram na sua
maneira de fazer acontecer a aprendizagem nas suas salas de aula; se as escolas
se transformaram, se as crianças estão sendo respeitadas nas suas
possibilidades de avançar, autonomamente, na construção dos conhecimentos
acadêmicos; se estes estão sendo construídos no coletivo escolar, em clima de
solidariedade; se a as relações entre as crianças, pais, professores e toda a
comunidade escolar se estreitaram, nos laços da cooperação, do diálogo, fruto
de um exercício diário de compartilhamento de seus deveres, problemas,
sucessos.
Outras alternativas de formação
Para ampliar essas parcerias estamos utilizando também as
redes de comunicação à distância para intercâmbios de experiências entre alunos
e profissionais da educação, pais e comunidade. Embora ainda incipiente, o
Caleidoscópio - Um Projeto de Educação Para Todos é o nosso site na Internet e
por meio deste hipertexto estamos trabalhando no sentido de provocar a
interatividade presencial e virtual entre as escolas, como mais uma alternativa
de formação continuada, que envolve os alunos, as escolas e a rede como um
todo. O Caleidoscópio tem sido objeto de estudos de nossos alunos e de outras
unidades da Unicamp, relacionadas à ciência da computação e está crescendo como
proposta e abrindo canais de participação com a comunidade e com outras
instituições que se propõe a participar do movimento inclusivo, dentro e fora
das escolas.
Se pretendemos mudanças nas práticas de sala de aula, não
podemos continuar formando e aperfeiçoando os professores como se as inovações
só se referissem à aprendizagem dos alunos da educação infantil, da escola
fundamental e do ensino médio...
AS PERSPECTIVAS
A escola para a maioria das crianças brasileiras é o único
espaço de acesso aos conhecimentos universais e sistematizados, ou seja, é o
lugar que vai lhes proporcionar condições de se desenvolver e de se tornar um
cidadão , alguém com identidade social e cultural.
Melhorar as condições da escola é formar gerações mais
preparadas para viver a vida na sua plenitude, livremente, sem preconceitos,
sem barreiras. Não podemos nos contradizer nem mesmo contemporizar soluções, mesmo
que o preço que tenhamos de pagar seja bem alto, pois nunca será tão alto
quanto o resgate de uma vida escolar marginalizada, uma evasão, uma criança
estigmatizada, sem motivos.
A escola prepara o futuro e de certo que se as crianças
conviverem e aprenderem a valorizar a diversidade nas suas salas de aula, serão
adultos bem diferentes de nós, que temos de nos empenhar tanto para defender o
indefensável.
A inclusão escolar remete a escola a questões de estrutura e
de funcionamento que subvertem seus paradigmas e que implicam em um
redimensionamento de seu papel, para um mundo que evolui a "bytes".
O movimento inclusivo, nas escolas, por mais que seja ainda
muito contestado, pelo caráter ameaçador de toda e qualquer mudança,
especialmente no meio educacional, é irreversível e convence a todos pela sua
lógica, pela ética de seu posicionamento social.
A inclusão está denunciando o abismo existente entre o velho
e o novo na instituição escolar brasileira. A inclusão é reveladora dessa
distância que precisa ser preenchida com as ações que relacionamos
anteriormente.
Assim sendo, o futuro da escola inclusiva está, ao nosso
ver, dependendo de uma expansão rápida dos projetos verdadeiramente embuídos do
compromisso de transformar a escola, para se adequar aos novos tempos.
Se hoje ainda são experiências locais, as que estão
demonstrando a viabilidade da inclusão, em escolas e redes de ensino
brasileiras, estas experiências têm a força do óbvio e a clareza da
simplicidade e só essas virtudes são suficientes para se antever o crescimento
desse novo paradigma no sistema educacional.
Não se muda a escola com um passe de mágica.
A implementação da escola de qualidade, que é igualitária,
justa e acolhedora para todos, é um sonho possível.
A aparente fragilidade das pequenas iniciativas, ou seja,
essas experiências locais que têm sido suficientes para enfrentar o poder da
máquina educacional, velha e enferrujada, com segurança e tranquilidade. Essas
iniciativas têm mostrado a viabilidade da inclusão escolar nas escolas
brasileiras.
As perspectivas do ensino inclusivo são, pois, animadoras e
alentadoras para a nossa educação. A escola é do povo, de todas as crianças, de
suas famílias, das comunidade, em que se inserem.
Crianças, bem-vindas à uma nova escola !
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